Celebrando com o Rebanhão os 30 anos sem o Muro de Berlim

 

09 de novembro de 1989. O Brasil assistia pelas telas da Globo o colapso da União Soviética e a queda do seu símbolo mais importante, o Muro de Berlim. Cidadãos da Alemanha Oriental e Alemanha Ocidental, que por quase 30 anos viveram separados pela cortina de ferro, agora celebravam, dançavam, choravam, sorriam por ter de volta a liberdade tomada pelo totalitarismo do bloco socialista da Guerra Fria, à semelhança dos judeus quando voltaram do exílio babilônico, após 70 anos de cativeiro (Salmos 126).

É nesse clima pós-guerra que o Rebanhão lança, por meio da Gospel Records, o histórico álbum Princípio com canções emblemáticas, que, direta e indiretamente, expressavam a mentalidade geopolítica da juventude do final dos anos 80. Ares de liberdade e celebração permeavam letras de pelo menos 5 canções de Pedro Braconnot, Carlinhos Felix e Paulo Marotta, que iniciam com Princípio e selam o disco com o Selo do Perdão, concluindo aquele que seria considerado pelo Super Gospel, em 2015, o 10º melhor álbum da música gospel de todos os tempos e, mais tarde, o melhor álbum da década de 90.

 

“Terra, água, fogo, guerras, mágoas, jogos, fronteiras que passei pra chegar aqui nesse imenso azul, presente da vida, dado pelo rei Jesus” é a segunda canção do disco acima citado que faz uma referência, mesmo que indireta, aos perrengues enfrentados pelos alemães orientais até sentir novamente o gosto da liberdade, condição esta dada exclusivamente por Jesus Cristo, mas frequentemente tomada por regimes totalitários e até mesmo chefes de Estados que se valem dos benefícios da democracia para tirarem aos poucos e até despercebidamente aquela que é uma dádiva de Deus aos homens desde que nascem. Sim, o homem foi criado livre por um ato livre de Deus, mas a Queda possibilitou que indivíduos espiritualmente presos pelo pecado escravizem seus semelhantes, de modo que, infelizmente e historicamente, eles sejam obrigados a enfrentar terra, água, fogo, guerras, mágoas, jogos, fronteiras para ter de volta o dom natural de um Deus livre.

Palácios, uma das maiores canções de todos os tempos, decola em Brasília e conclui que nenhuma força totalitária é superior ao Deus que está no céu, que não vale a pena medir forças com o Sol da Justiça (Malaquias 4.2) e que a maior glória produzida pelo capitalismo não brilha mais do que a Estrela da Manhã. Estamos diante de um muro, de uma cortina de ferro e de que lado você está? Não dá pra ficar em cima do muro, aliás, ele nem existe, pois, assim como foi com o Muro de Berlim, Jesus Cristo quebrou a “parede de separação que estava no meio, na sua carne desfez a inimizade, isto é, a lei dos mandamentos, que consistia em ordenanças, para criar em si mesmo dos dois um novo homem, fazendo a paz, e pela cruz reconciliar ambos com Deus em um corpo, matando com elas as inimizades” (Efésios 2.14-16). Não dá mais pra ficar em cima de um muro que não existe, logo é necessário se decidir pelo perdão, pela paz e pela liberdade.

Os homens sempre dizem sim quando Deus diz não e, frequentemente, constroem parede onde Deus abriu uma porta, mas eles mesmos carregam um fardo insuportável ao construir “um muro que divide em dois o seu mundo, que separa irmãos e amigos, que não deixa ver o futuro”. Paulo Marota, na canção Muro de Pedra descreve tão claramente o que acontecia na URSS e faz alusão direta aos 155 km da fortaleza soviética, bem como a mentalidade revolucionária e utópica dos socialistas que usam do pragmatismo para colocarem em prática toda a desilusão de um paraíso terrestre por meios humanos, mesmo que isso contrarie a própria natureza humana. Vou deixar a letra falar por si mesma:

Eles querem mudar o mundo

Eles querem revolução

Mudar a vontade dos homens à força?

Isso não vai ser solução.”

Marotta lançou a crítica e, agora, apresenta a solução:

A revolução que vai mudar esse mundo

Começa dentro do coração

Jogue suas armas no lixo

E estenda a sua mão

Para ajudar seu irmão

Se você quer mudar

O regime da sua vida

Deixe Jesus destruir o seu muro de pedra

A verdadeira revolução

Só vai acontecer

Quando os homens deixarem as armas

E aprenderem a amar.”

Não há nada mais a dizer sobre isso!

 

Quando os alemães orientais puderam passar para a Alemanha capitalista, uma contemplação de vida e liberdade se apresentava diante dos seus olhos, ainda que, instantes antes, um inferno terrestre lhes atormentava dia e noite. Aquele inferno que antecedeu a reunificação circundava e, ao mesmo tempo, preenchia a alma de cidadãos escravizados. É disso que o Rebanhão fala: “No centro da cidade, na porta do metrô ouvi um saxofone tocar uma música de amor. Olhei para as pessoas ali, num segundo eu vi tanta dor disfarçada no olhar.” É essa dor que nem o capitalismo com todas as suas benesses conseguirá anestesiar . Como diz a canção: “a resposta certa para as questões dessa vida incerta é Jesus”, isto é, nem a utopia do socialismo, bem como do livre mercado trarão a cura para o problema existencial da humanidade.

Se Wind of Change, de Scorpions, marcou o fim da Guerra Fria, Arsenal, de Paulo Marotta, foi o registro fonográfico brasileiro de maior importância no cenário evangélico sobre esse mesmo tema e aborda com ares de celebração a chegada de novos tempos para os irmãos alemães. Marotta, com sua pergunta retórica, crava: “pra que todo esse orgulho, esse seu arsenal nuclear no olhar? Essa cortina de ferro bem que podia cair…”. E caiu! Caiu, senão a “grande Babilônia” (Apocalipse 16), mas uma parte dela. Nossos irmãos retomaram a liberdade, voltaram a celebrar a paz e cá estamos nós celebrando o que não envolveu diretamente nossa pátria, mas foi decisivo para configurar a cosmovisão dos últimos 30 anos. Mas, se “pra nós tudo o que importa é o amor”, por que ainda continuamos “reconstruindo o que Jesus derrubou, recosturando o véu que a cruz já rasgou”, conforme já poetizou João Alexandre?

28 anos foram necessários para o fim da Guerra Fria e a queda do Muro de Berlim. 2000 anos não foram necessários para pacificar nossas guerras e remover as paredes que nos separam, como povo de Deus e como humanos também. O nosso arsenal parece que não está apontado para os principados e potestades nas regiões celestes (Efésios 6.12), mas contra nossos próprios irmãos de batalha. Que Deus use seu próprio arsenal para derribar todos os muros que nos separam, pois, se depender de nós, Deus sempre vai dizer sim e vamos sempre dizer não.

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